sexta-feira, 26 de junho de 2015

O Que Os Olhos Comem Em Quartos De Hotel




Sentas-te na cama de hotel com o vestido à beira do abismo, pergunto-me se sentes
O cheiro da perdição, aproximando-se a cada centímetro de pele branca que me revelas,
Deitas-te e desvio as cortinas da janela, engulo o betão sujo da cidade para não morder
A carne em que te estás a tornar, não te quero só carne, mas a fome cresce no quarto
Pequeno do hotel barato como se um corte num dedo no ar carregado com a nossa fraqueza,
Somos amantes de fracassos, colecionadores de nomes esquecidos, tatuados pelo cheiro
De desejos anónimos, somos irmãos incestuosos à distância, dançamos embalados pela
Amizade e pelo desejo, a luz agora acende o teu cabelo e eu penso em quantas putas
Terão sido fodidas naquele quarto, estarão os lençóis tão limpos quanto a nossa fidelidade,
Escreverei este poema no duche, enquanto esfrego os tomates cheios de fracasso e
Esquecimento, a uma distância segura das pupilas que seguem cada verso, longe de nós,
Não te direi a vontade que tive nos dentes antes de a noite te levar para a tua insónia,
Nem te prometo que voltarei a desviar as cortinas, custou-me tanto não te revelar a ti,
Banhar-me na luz do teu fogo, engolir-te toda até me afogar se fosse preciso,
Mas lá está, só fodemos o que está à mão, o que se pode largar e esquecer,
Não o que já nos é sem consentimento, enquanto esfrego os tomates no duche,
É a ti que toco, perdida na cama de hotel, o medo da tua ausência nos meus dias cinzentos,
Contudo, sabes que o que os meus olhos comem, os meus dedos pouco digerem,
Se te queres poema, inscreve-te na minha pele.

Turku

26.06.2015



João Bosco da Silva

Desmembrar-me

o som constrói-se
em torno do corpo inseguro,
viola a mesa e as mãos transpiram
a carne tácita.
as ancas perdem-se para sempre 
na gravidade
libido de açúcar
ou sou eu que estou mais doce?
a receita para o meu desejo
inclui gin e violência
garfos que espetam dentro do ventre
sempre que alguém beija incoerentemente
dizes que acordas sem veias
quando não acordas ao meu lado,
o som constrói-se, o sol põe-se
envio-te os meus braços
por correio.

25.06.2015


Lisboa


Sara F. Costa