quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Ilha Em Fomes Alheias


A noite estava a queimar nos lençóis o excesso de álcool e cafeína,
No fim de contas só se estavam a justificar o coração a uns
120bpm, numa madrugada só a enrolar lençóis e confrontar paredes que aclaram,
Torna-se muito mais difícil passar o tempo, mas com uma gaja que está há mês
E meio à procura de trabalho para o noivo na ilha, o tempo voa,
Contam-se os orgasmos, é uma batalha, ainda não, pá, que queres, é a vodka,
Ou o rum, que se misturava com a areia e tornava os encontrões nas paredes
Duros, eu vou contigo até casa, abençoada, outra, sevilhana, ficou para o Natal,
De manhã era, como caralho estou aqui, nesta cama quase familiar, com lençóis
De semanas, sabe-se lá que variedade genética se poderia lá encontrar,
A luz negra neles seria um crime, e por fim, depois de o jogo estar perdido
Por muitos, sujaste-me toda, nas nádegas, pois foi, que a gaja era uma esquisita
E chupava como quem sopra numa ferida infectada e porque o grelo lhe exigia
Retribuição das avalanches que lhe derrubavam os joelhos,
O colega urso dormia, de boca cheia ou barriga juntinha às nádegas peludas de alguém,
Isto é um poema, não, é esperma seco na areia da praia ao amanhecer.

Turku

29.09.2015


João Bosco da Silva

segunda-feira, 27 de julho de 2015

(Americana)




Ardes com a mesma fúria
Dos condenados
Consomes-te em reminiscências
Custa-te romper com o cordão umbilical
Do passado
E procuras na tua pele
O cheiro que ficou dos teus pecados

Contudo és mais uma tatuagem
Apesar da fugacidade
Da tua presença em mim
Foste mais fundo do que o teu comprimento
E mesmo que seja capaz de sorrisos
Guardo em segredo
O sabor de ti que o tempo amargou

Não és tão mau quanto te pintas
Mas para a próxima
Avisa antes de entrares

B.

Ele


faço login no sono
mas o meu feed parece abandonado,
um deserto metafísico.
subitamente o teu corpo naufraga
exposto a um pudor guerreiro,
os teus poemas abertos dão lugar
às tuas pernas abertas mas ainda assim há um texto:
“Somos terra líquida, último alimento das árvores”.
fraco e inválido, o meu sangue
estremece em direção à polis
onde tudo se cria.

a minha mão apressa-se
a saciar o grito,
mas não o alcança,
em vez do meu pénis duro
tenho sangue e vísceras onde
a minha mão desata
em desespero e confusão.

a seguir estás sentada
numa cadeira prostituta,
pronta a sugar-me o mineral do corpo
quero desfazer-te pela cona
mas tu não me entendes
começas a falar nesse estrangeiro suburbano
que aprendeste na cama
com outras culturas.

eu sei que não dormes
e às vezes tenho pena
penetrava em ti o meu ofício
espancava-te as metáforas minúsculas
por onde regulas a tua existência.

se te fodia era para o teu bem
fodia-te até à vertigem.
sem nunca te conseguir saciar o medo.
também eu não durmo
porque a noite é vadia como o meu desejo.
chama-me puta,
sou a tua puta,
sozinho, não estrangeiro.

quando acordar estarás no meu feed,
de pernas fechadas
e poemas abertos
a todas as interpretações.


27.04.2015

Braga

Sara F. Costa



sexta-feira, 24 de julho de 2015

Um Nela Outro No Tapete


“I think sometimes of all good
ass
turned over to the
monsters of the
world.”

Charles Bukowski, Burning In Water Drowning In Flame


Era a segunda vez que a via, tinha uns dezanove anos e parecia ainda fascinada
Pela vida na cidade e ainda se sentia livre, tinha vindo ter ali porque sabia
Que eu lá estava, as mamas pareciam maiores do que realmente eram, é o importante,
Tinha bebido, eu mais, disse que não podia demorar porque tinha um amigo
A dormir no tapete em casa dela à espera, então tinha que me despachar,
Era difícil falar com a música, melhor, haviam mais olhos, enquanto a olhava
Nos dela ela desvia o olhar para os meu lábios e leva logo com o que pediu,
Fingiu-se surpreendida, mas confessou ser o que estava à espera, sim,
Estava a ver que nunca mais, saímos os dois do club até um beco escuro
E quase escondido, encosto-a a uma caixa de electricidade, exploro-lhe a pele,
O tamanho real das maminhas até lhe chegar com o dedo ao grelo, aí
Ela realmente se sente surpreendida, como que se lhe tivesse ligado
Um interruptor qualquer, fazes isso tão bem, deixo-a a escorrer, acredito que
Estivesse a ser sincera, meto-lhe a gaita nas mãos que ela agarra com voracidade,
Bate com força e a um ritmo perfeito, quase me faz vir contra o seu púbis
Rapado há uns dias, sei que naquele momento alguém deve estar a pensar
Em mim, ou não, sei que não tem a minha gaita na mão, também sei que há
Cães em tapetes e outros sem tanta sorte, sinto perto um gato a saltar
De um caixote do lixo, sinto o cheiro azedo do mesmo caixote, misturado
Com o aroma da cona pronta para a foda, custa-me a manter o leite
Longe dela, no hospital ali perto alguém muito verde agoniza com uma
Barriga colossal cheia de líquido, posso ser eu daqui a uns anos, foi alguém
Que me morreu na infância e com ela, aproxima a glande dos lábios
E esfrega-a neles, deixando-a lubrificada e pronta para a penetração,
Engulo em seco, lembro-me do cheiro a cera nos cemitérios e de como
É pecado pisar nas campas, então a gente começa a sair do club,
Quebrando o transe, vamos até aquele adro foder, temos que foder,
Não podemos ficar assim, apertamos as calças e então os meus dois amigos
Vêm ter comigo, bêbados, fica com os teus amigos, eu tenho que ir,
Agora já não ficas só, tenho o meu amigo em casa à espera,
Não insisti, para alguém esperar no tapete, tem que gostar mesmo
E é triste, acabei a noite de manhã numa padaria a comer pão fresco
E beber cerveja com os padeiros e os dois amigos, com os tomates inchados
E tive pena do que a esperou deitado no tapete, que era amigo,
Espero que não tenha adormecido com fome, eu nunca mais a vi.


19.09.2014

Turku

João Bosco da Silva

terça-feira, 14 de julho de 2015

viajar-te

acredito que se viajar o tempo suficiente
chego às noites onde te escondes
se esgrimir um verso tão alto como a fantasia
chego à acidez da tua língua,
se escrever como quem molha todas as arestas do corpo
danço sem morada
e sei que por esta altura
o perfume da nossa amizade engravidou a lua.

que voar é engolir-te enquanto engulo o mundo

que caminhar o tempo suficiente
me leva às ruínas onde me desejas
aos templos onde cada imagem tua é uma imagem de mim

se for livre é para me comprometer a cravar o teu rosto em cada som

para te deixar lamber
o mel que me brota dos poros
o álcool que me cresce dos sonhos
se deixar que me toques é porque quero que ouças
todos os meus medos.

Lisboa

08.07.2015

Sara F. Costa

sexta-feira, 26 de junho de 2015

O Que Os Olhos Comem Em Quartos De Hotel




Sentas-te na cama de hotel com o vestido à beira do abismo, pergunto-me se sentes
O cheiro da perdição, aproximando-se a cada centímetro de pele branca que me revelas,
Deitas-te e desvio as cortinas da janela, engulo o betão sujo da cidade para não morder
A carne em que te estás a tornar, não te quero só carne, mas a fome cresce no quarto
Pequeno do hotel barato como se um corte num dedo no ar carregado com a nossa fraqueza,
Somos amantes de fracassos, colecionadores de nomes esquecidos, tatuados pelo cheiro
De desejos anónimos, somos irmãos incestuosos à distância, dançamos embalados pela
Amizade e pelo desejo, a luz agora acende o teu cabelo e eu penso em quantas putas
Terão sido fodidas naquele quarto, estarão os lençóis tão limpos quanto a nossa fidelidade,
Escreverei este poema no duche, enquanto esfrego os tomates cheios de fracasso e
Esquecimento, a uma distância segura das pupilas que seguem cada verso, longe de nós,
Não te direi a vontade que tive nos dentes antes de a noite te levar para a tua insónia,
Nem te prometo que voltarei a desviar as cortinas, custou-me tanto não te revelar a ti,
Banhar-me na luz do teu fogo, engolir-te toda até me afogar se fosse preciso,
Mas lá está, só fodemos o que está à mão, o que se pode largar e esquecer,
Não o que já nos é sem consentimento, enquanto esfrego os tomates no duche,
É a ti que toco, perdida na cama de hotel, o medo da tua ausência nos meus dias cinzentos,
Contudo, sabes que o que os meus olhos comem, os meus dedos pouco digerem,
Se te queres poema, inscreve-te na minha pele.

Turku

26.06.2015



João Bosco da Silva

Desmembrar-me

o som constrói-se
em torno do corpo inseguro,
viola a mesa e as mãos transpiram
a carne tácita.
as ancas perdem-se para sempre 
na gravidade
libido de açúcar
ou sou eu que estou mais doce?
a receita para o meu desejo
inclui gin e violência
garfos que espetam dentro do ventre
sempre que alguém beija incoerentemente
dizes que acordas sem veias
quando não acordas ao meu lado,
o som constrói-se, o sol põe-se
envio-te os meus braços
por correio.

25.06.2015


Lisboa


Sara F. Costa

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A conquista da Polónia


a tua fala loira desdobra-se  em  pedaços brancos de pele
esta música goteja com o teu sangue,
o apetite dela do tamanho do meu.
orgulho-me das tuas veias tão salientes,
da altura assustadora dos instintos.
chove por dentro do desejo
e eu quero enterrar-te ainda esta noite,
quando passar o próximo comboio
terei o teu peito molhado,
os teus ossos transpirados
por aquela vontade de viver
mas antes do comboio passar
navegarei na tempestade azul dos teus olhos
e terei os teus lábios gelados
como o norte,
sentir-me-ei a rainha da Polónia.

14.05.2015

Fátima

Sara F. Costa 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Buraco De Verme



Sento-me, espero, olho a parede e passado algum tempo, vejo-me,
A olhar outra parede, com outro vazio nas mãos, outros caminhos
Com a poeira ainda assente, mais chaves no bolso, que nunca cheguei
A saber o que abriam, no quarto ao lado a estudante polaca parou de gemer,
Agora fala com o seu amigo espanhol, disse uma noite que eu não a conseguiria
Acompanhar a beber, se calhar agora não teria razão, entre uma foda e outra,
Escrevo mais um poema, é tão difícil rimar enquanto os outros vivem,
É ridículo o amor sem carne, sem cheiro a mijo, a cu, é como acordar
De um sonho e olhar para a mesa de cabeceira e lá em vez de umas cuecas,
O mesmo livro de sempre, nem uma carta a confirmar que sim, só um sonho,
Volta a dormir que ainda me apanhas, enquanto sobe a rua com o namorado barbudo,
Tanta fome e o frigorífico cheio de comida estragada trazida no fim de semana,
A amiga da polaca queria ver o meu quarto naquela noite em que acompanhei como pude,
Mas tive vergonha dos desenhos que tinha colados nas paredes, a minha fome revelada,
Ela com uma sede azul nos olhos de olhos verdes, soubesse eu ler, mas dá o destino olhos
A quem não sabe ler, ficou a parede a olhar para mim, amarela, e a estudante polaca
Recomeça naquela celebração universal ao ritmo da cabeça na parede,
Olho-me do outro lado da parede e digo-me, deixa, se não tivesses deixado de viver tanto,
Nunca lhe pegarias com a fome nos dentes e o inferno nos olhos, um anjo do apocalipse,
Deixa, apaga a luz, terás amanhãs em que mal reconhecerás o teu cheiro na pele da manhã,
Terás olhos que tornarão impossível acreditar que tu o menino da tua mãe,
Beberás o sumo do agradecimento anónimo e sentirás a alma tão suja que te sentirás
Maior neste mundo de promessas esterilizadas entre paredes de quartos pequenos
Em cidades decadentes, deixa, ganharás tão bem o inferno que até os santos terão inveja.

04.05.2015

Gdansk



João Bosco da Silva

segunda-feira, 23 de março de 2015

Ode à Adolescência

para JBS,

hoje a tecnologia respira-nos a presença,
a loucura ao lume
numa parte incerta deste silêncio transnacional
onde o nosso diálogo é contínuo.
dantes, o corpete cor de vinho e o vinho como um rumor,
os pulmões queimavam já os cigarros precoces.
dantes, o teatro da tragédia e os palcos inacessíveis.
digamos: caí na adolescência como numa emboscada,
uma sobrevivência serena junto a um existencialismo incansável;
como um Nietzsche convocado no cemitério
ou Opeth no hardclub com o resto dos poetas.
uma rosa a Baudelaire e outra a Sartre
como prioridade na viagem de família a Paris.
todas as manhãs eram a continuação da noite
e todas as noites, minto, a tecnologia respirava presenças
já na altura.
era esta virgindade exausta que habitava o poema
inventava narrativas lubrificadas
inventava-te em lábios por estrear
queria a tua morada
sem saber se existias
e ainda assim escrevia-te, descrevia-te
e a fome sorria
enquanto alguém batia punhetas dolorosas
à custa do meu desprezo.
hoje a tecnologia respira-nos a presença
e eu na altura
a madrugada para a qual acordavas todas as manhãs.


22.03.2015

Lisboa



Sara F. Costa

Quantum Entanglement


Andava eu a tentar comer literatura francesa, existencialismo em duas frentes,
Fazer de mim um aldeão culto, que não sabe sequer quando se plantam batatas,
Desafiando professores com experiências comprovadas na cabana,
Onde ainda se podia encontrar a curiosidade dos alquimistas e o cheiro
A enxofre entranhava-se nas raízes do cabelo, e nos ossos dos animais
Encontrados mortos no monte, desistia já de encontrar a teoria de tudo,
Tinha embirrado com a matemática e via que das minhas mãos nunca
Sairia nada melhor que as punhetas que batia abençoadas pelas senhoras
Do baralho de cartas da loja dos trezentos, e tu, tu já mais poeta que eu
Alguma vez serei, tu que já sabias tocar as cordas da perversão dos
Animais que são todos os homens, eu ainda acreditava que cada batida
Me aproximava mais do inferno, recolhia dinheiro na missa,
Lia Nietzsche às escondidas em casa do padre, onde havia imensos álbuns
De música clássica e televisão por cabo, e tu a incendiar vontades
À distância, eu quanto muito, escrevia mensagens quando os meus
Amigos queriam mostrar-se românticos a quem queriam foder,
Contudo, apesar das longas tardes à beira do rio no Verão,
Na companhia do Hemingway, à noite sentava-me nas escadas
Do avô morto com os primórdios da barba molhados pelo primeiro grelo
E tu, apenas com palavras, a marcar mais fundo, que aquelas primeiras
Cuecas que despi, ainda hoje me fascina mais aquele movimento
Que a morte, a revelação, a aparição, tu, longe, latente,
Gloriosa em toda a tua inocência perversa, enfant terrible,
Ainda nos dedos o cheiro da professora da mesma escola
E nós lado a lado, com uma fome adiada, lembras-te.

21.03.2015

Turku


João Bosco da Silva